Curioso

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Distância

A estrada parecia não ter fim. Vários quilômetros e o aspecto árido, seco e até tórrido em certos espaços o deixavam quase desidratado. A pequena lancheira e os pouco pedaços de gelo, já derretidos na caixa de isopor com as duas garrafas de água, já não surtia o efeito desejado. O desgraçado do ar condicionado do carro deveria ter sido isso há milhões de anos atrás, afinal quase não refrescava. O motor quente, o sol agora a pino e nada, de nenhum lado, naquela estrada maldita. Por que fui errar o caminho. Voltar para onde se estou fugindo de uma situação aflita. Não quero voltar, não vou e sim seguir adiante. Tenho bastante gasolina no tanque e, pensando bem, talvez mais duzentos quilômetros antes de achar um posto para reabastecer. Mais devagar, puxou de novo o dobrado, quase amassado, mapa da estrada e verificou essa possibilidade também. Uma pequena casa ou o que poderia dizer aquele vermelho quadrado, muitos deles nos pontos das estradas, algumas cruzando naquele papel. Cada quadradinho, dois quilômetros, e tinham muitos deles antes de atingir o que pretendia. O final daquela estrada, entrada à direita, mais alguns quilômetros e o refúgio final, depois de toda aquela desabalada carreira. Ninguém o viu, mas está certo que quando mais cedo chegar, melhor. Afinal, se precisar de alguma explicação melhor, um álibi, pode dizer que esteve em casa os três últimos dias. Agora, depois que leu, acelerou mais um pouco e o velocímetro marcou o cento e cinqüenta quilômetros por hora. Nessa estrada é permitido até cento e sessenta, uma grande reta. Só não posso dormir, pensou e sorriu. Passou célere por uma placa sem saber o que se tratava. Mais alguns quilômetros e viu adiante outra placa e diminuiu a marcha. O calor insuportável e somente meia garrafa de água, apoiada na do isopor que já começara a esquentar. Era entrar e sair pelos poros, maior quantidade, já que o corpo deveria estar com febre. Aos poucos foi chegando e lendo a possibilidade de mais alguns quilômetros à frente alguma alma viva. E foi o que aconteceu quando viu um quilômetro para uma entrada de vila, cidade ou o que aquilo poderia ser, um nome estranho. Cidade do Peixe. Assim, em letras maiúsculas e minúsculas. Cidade do Peixe naquela região, inóspita e ensolarada. Deve haver algum rio e muita mata. Não estamos perto do mar, meio do país, portanto alguma selva escondida. Nunca tinha ouvido falar, e, pensando bem, não conhecia a estrada e nunca teve a infelicidade de se vir na companhia dela para voltar para casa. Diminuiu a velocidade para a metade, quando percebeu que a entrada era de quarenta e cinco graus, para a sua direita. Portanto, não custa nada. Entrou e um quilômetro adiante, uma placa igual lhe dizia que a Cidade do Peixe, abaixo do nome mostrava o número cinqüenta. Se for quilômetros, só poderia, porque metros não, afinal ainda estava com muito calor e nada dos dois lados da poeirenta estrada. Pelo menos a principal era lisinha. Essa tem muitos buracos. Vai ser que são as escamas, sorriu da própria bobagem que pensou. Eram quilômetros, porque chegou depois que anotou mentalmente a partir da placa e acompanhou nos irritantes números, um após o outro. Isso o que dá viajar sozinho. Nos exatos números, confrontados e confirmados, chegou a um pequeno hotel à beira da rodovia poeirenta. Bem, uma estalagem, um motel, um misto dos dois. Quase em ruínas. Não deveria ter entrado na estrada. Se voltar e não tiver mais nada durante cem quilômetros, previstos os duzentos para chegar à estrada que dava para a sua, ficaria no meio do nada. Parou e desceu. Olhou em volta, deu uma boa esticada nos músculos doloridos, todos eles, sentiu o sangue fluir para os lados adormecidos e voltou para a posição de pesquisar o local. Tirou o boné, passou novamente a mão no rosto e enxugou nas calças. Que calor miserável. Não tem uma única árvore, não é a toa que esse espaço foi para o espaço, rindo da outra bobagem. Ruínas somente. Foi até a recepção, escutando som de música. Entrou e no quarto adiante, bem de frente para o balcão, tinha uma senhora sentada assistindo televisão. Televisão. Não viu fio em lugar nenhum. Bateria, provavelmente. Mas, bem, tocou a campainha, sem som. Bateu no balcão. Ela olhou para a direita, estava sentada olhando para a televisão, escondida, mas escutava o som e achou que era televisão. Tinha um aspecto macilento e nervosamente e dolorosamente levantou-se, apoiando na não menos suja e poeirenta poltrona. Quando sorriu para ele, mais o assustou do que lhe trouxe uma boa recepção, apesar do olhar gentil, mas sem dois dentes na boca, formando um total bastante estranho. Mas o cabelo estava bem penteado, puxado para trás e o vestido, milagre total, limpo. Sentada na sujeira, mas ela estava limpa.
- Pois não, falou maciamente. Precisa descansar o corpo ou o espírito, falou assim, calma e ponderada. Parecia uma vovó, dizendo para o netinho não ter tanta vontade de sair correndo e brincar o tempo todo. Com banho ou sem. Ele se perguntou se realmente estava em algum lugar ou o sonho tomou conta e estava lhe dando ilusões, uma atrás da outra.
- Com banho, sim, de água não de poeira.
- Claro. Água quente ou fria?
- Ainda tem para escolher, vendo que ela abriu o livro, capa preta, com o nome do hotel, assim Hotel do Peixe, desse jeito, letras douradas. Limpa, apesar da possibilidade de muita poeira da estrada. Quando chegou levantou bastante, vendo que do lado de fora já havia assentado.
- Sim, pode escolher. Quarto para solteiro, sim, afirmou, olhando para o veículo. Solteiro, anotou. Seu nome, por favor?
- Evandro Sotero de Albuquerque, orgulhoso.
- Anotei. Número do documento de identidade para comprovar se está tudo certo.
- Para comprovar!?, pegando o documento e entregando.
- Sim, queremos ter certeza que os hóspedes são mesmo o que dizem. Afinal na Cidade do Peixe e no seu principal hotel temos esse cuidado.
- Não diga, e quem mais que a senhora tem esse cuidado. Só tem esse hotel, rindo baixo e não vejo mais ninguém.
- Verá quando chegar a hora. Ele se assustou, tentando perceber o máximo do espaço.
- Que horas?
- A da chegada dos pescadores. Não sabe que eles vêm aqui? Só pescam durante a noite, fique sabendo que a colheita é sempre grande. Então, está certo, devolvendo o documento. Solteiro, branco, o documento confere e a sua vaga está preenchida. - Ainda bem que nos pediu com antecedência.
- Não fiz nenhuma reserva!
- Não precisa ser o senhor mesmo a fazer reserva. Foi apresentado por um amigo querido e fiel, ainda mais para essa hora, não é mesmo. Bem, quarto duzentos e, olhou para baixo no balcão e tirou uma chave. Duzentos e vinte e nove. - Pronto, aqui está no fundo do corredor.
- Mas não devem ter todos esses quartos, com todos esses números.
- Sim, tem, pode ir. Fique a vontade. Tem tudo no quarto para o banho. Se precisar mais de algo só me ligar, fechando o livro e deixando em cima do balcão. Ele ameaçou abrir de novo, mas o olhar firme dela o fez parar. Pegou a chave em cima do balcão e abriu a porta lateral, achando que iria sair direito na parte lateral da casa, de quem a vê pela frente, direita. Não era nada disso. Um longo corredor. Fechou a porta. Ela sorria e lhe indicava para continuar. Ele abriu a porta novamente e a lateral da casa estava ali. Sorriu e saiu. Viu a continuidade da casa para trás e o número do primeiro quarto. Duzentos e vinte. Riu mais ainda. Entendi. Começa com duzentos e vinte, mais um pouco o duzentos e vinte e nove. Achei. Pôs a chave na porta e abriu. Ali estava uma confortável e aprazível, cheirosa, bom perfume, limpa, asseada e encantadora forma de prazer de acomodação caseira. Entrou e fechou a porta, abrindo um pouco a cortina. Olhou para fora e viu um campo majestoso, jardim, relva, árvores frondosas e uma grande lagoa, com aparatos para segurar varas de pescar. Fechou a cortina, voltando-se para dentro do quarto. O que estou vendo, já sei alucinação, ainda estou quente, colocando a mão no rosto. E suando, percebeu. Não sabe se de nervoso ou da temperatura. O ar condicionado ligado, não tinha visto. Abriu novamente a cortina e lá estava a extensão poeirenta. Entendi alucinação. Bem, agora um bom banho para esfriar esse olhar, fechando os olhos mais rápido e várias vezes. Despiu-se, jogando a roupa em cima da cama. Primeiro vou tomar o banho que preciso. Ponho a roupa suja mesmo. Vou embora depois que esfriar os ânimos. Fez o que pretendia e mais dez minutos do banho que lhe devolveu a temperatura ideal, seco, jogou-se na cama. Não pressentiu e dormiu. Não sabe se sonhou, sem certeza, quando acordou com as batidas na porta.
- Senhor, senhor, não vai pescar, perguntou uma voz feminina. Ele ficou sentado na cama e vestiu-se rapidamente, abrindo a porta. Lá estava uma moça bonita e com outros homens, rapazes, crianças, meninas, mulheres e a vovó, recepcionista. - Então, vai pescar conosco? Ele não entendeu, estou sonhando. Todos sorrindo e ele não.
- Vamos o senhor vai levar essa vara, falou a recepcionista. É para os peixes grandes. Vai conseguir vários essa noite. Todos eles passaram adiante e algumas crianças correram na frente. - Então, está feliz?
- Não sei, porque deveria estar segurando a vara, balançando e o final dela, no anzol, grande, preso em uma pequena forquilha, perto da sua mão. Deveria ter uns três metros e parecia bem forte. A linha grossa. A senhora simpática e os outros rapazes batendo em suas costas. Pura alegria.
- Vai pescar o maior peixe hoje, tenho certeza. Se conseguir, vai ganhar mais pontos e ser premiado, falou a formosa, colocando a mão em seu braço esquerdo e o puxando.
- É mesmo, e como pode saber isso?
- Está programado, afinal foi você mesmo que pediu essa oportunidade.
- Não sei o que está falando, não sei mesmo. E posso saber onde estou afinal, voltando à realidade. Perdeu um pouco, depois que abriu a porta do quarto, quase entrando em um festival de boas vindas e de uma turma alegre por estar com ele. Não os conhecia, a nenhum.
- Ora, foi você sim, recebemos a sua encomenda. Um peixe de cinqüenta quilos. Ele existe claro, mas deve pescá-lo. Nós nos contentamos com os pequenos. Não temos muita força para agüentar.
- Agüentar o que?
- O peixe. Até dez quilos é mais do que o suficiente. Ele parou. Onde está o carro, o casebre, a estrada poeirenta, a recepcionista já viu, adiante e segurando a mão de duas crianças. Bem, uma referência, mas e o resto? Essa moça, não sei quem é. O ar fresco da noite o embalou e quando percebeu, sem ser arrastado, estava sentado do lado dela. Sem isca, jogou o anzol na água, praticamente perto porque não fez força. Estava em ângulo de quarenta e cinco graus para a água. Ela sorria e fazia menção que olhasse para o final da linha, dentro da água. Percebeu um pequeno movimento e logo em seguida a linha foi puxada para mais longe no lago, fazendo um ângulo de setenta a oitenta graus. Quando toda a linha da carretilha acabou o tranco não foi violento. Ele segurou e começou a puxar, com ela incentivando. Duas crianças, um menino e menina, dois senhores, um mais velho e mais cinco senhoras e ela, aquela que parecia senhorita, empenhadas em lhe dar voz de atenção ao que estava fazendo, devagar, devagar agora e o entusiasmo próprio para quem estava conseguindo o que havia pedido. Ele enrolou até ver que estava chegando a hora do peixe aparecer. Não foi peixe, foi ele mesmo, pendurado no anzol, de boca aberta e sofrendo. Largou a vara, apavorado. Todos eles a seguraram e puxaram para fora, ele se afastando daquela horrenda aparição. Se estou aqui não posso estar no anzol. Tenho cinqüenta quilos, não, tenho setenta e dois quilos. Cinqüenta quilômetros, o que estou pensando? Estou no anzol, estou morto! Beliscou novamente. Não, estou vivo. Quando o tiraram do lago, ele acordou e tirou o anzol da sua língua. Estava seco. Colocou a mão para frente para cumprimentá-lo. Ele pôs os braços para trás. Ela, a senhorita, gentilmente pegou a sua mão direita e praticamente o obrigou a cumprimentá-lo. Sentiu o gelo da mão dele e apertou. Ele sumiu. Tudo sumiu, e se viu no meio da poeira e fora da casa. Olhou em volta, estava escuro. Voltou para o quarto. Quando abriu, não poderia ter visto um lugar mais horrível de sujeira e de móveis velhos e carcomidos por traças, aranhas ou qualquer outro bicho, também roedores. Tudo esburacado, rasgado, sujo e estraçalhado. Um horror. Fechou a porta e foi até a recepção. A senhora estava sentada na mesma posição.
- O senhor já vai sair, perguntou sem se levantar da poltrona. Ele continuava escutando a televisão, e, de volta ao mesmo ambiente de quando chegou.
- Posso saber como a senhora faz isso? O que aconteceu, pode me dizer como consegue manipular a minha mente dessa maneira.
- Não entendi o que disse, qual foi a palavra, continuando sentada e dele para a televisão. Não sei nem o que se refere e o que quer dizer essa palavra. Como é mesmo, perguntou, desligando de vez dele e olhando para frente. Estou vendo que não gostou muito da experiência. Olha só, ficou bravo, apontando para frente e rindo.
- Fiquei bravo com o que?
- Venha ver, não quer assistir, venha, pode entrar, pediu. Ele deu a volta no balcão e entrou na sala, feia, malcheirosa e, na estante, a televisão passava o seu filme. O filme dele e a pescaria. Ele gritou apavorado e tentou sair. Só que os pés estavam presos em alguma coisa, cola ou pregado, por que não saiam ao seu comando. Não levantavam sequer e ele assistindo tudo novamente. A sua chegada, a abertura do livro, ela comentando e dizendo o número do quarto e assim por diante. Quando deu o fim, pelo visto rebobinado continuou até onde estava pregado. Desde a sua entrada na estrada e o número cinqüenta aparecendo. Não sabe quantas vezes aconteceu até que gritou bem alto, pedindo um socorro que aparentemente não iria chegar. Estava louco, a televisão passava um filme da sua vida, desde a fuga. Mas não aparecia a fuga, só quando entrou na estrada.
- Então, vai assistir e ficar repetindo, deixar repetir quantas vezes até se arrepender do que fez, perguntou afinal, depois que aguardou o som do grito diminuir e acabar.
- Não sei do que está falando, sua velha bruxa. Fechou os olhos, mas em vez da escuridão total o mesmo filme. Já estava no desespero total, balançando de um lado para o outro sem sair do lugar. E o filme continuando. Outro grito, o máximo que poderia fazer. Nada, o filme e o seu fim e novamente a entrada na estrada e o número cinqüenta. Quero sair disso.
- Basta pedir perdão, meu amigo, e vai poder ir para casa.
- Não sei a que se refere. Bruxa!
- Se me ofender novamente eu vou embora e deixo você sozinho, para toda a eternidade.
- Onde estou, gritou, onde estou?
- Na sua mente, meu jovem. Direto na sua mente. Está dentro de você e suas culpas. Pediu para ser ajudado, nós demos a vara e pescou a sua mente de volta do lago da solidão. Agora, se não pedir perdão não vai se desvencilhar das suas culpas. As tem você sabe só você sabe. Se não se perdoar, vai ficar nesse filme eterno. Afinal está preso, não somos nós que vamos conseguir soltá-lo.
- Está bem, eu me perdôo, pronto. Só não sei do que. Não conseguiu sair e o sofrimento passou a ser atroz, olho aberto ou fechado, provavelmente estou ficando louco. Gritou por socorro novamente. Socorro me tirem daqui, pediu. Os pés se desprenderam e ele saiu correndo, batendo e derrubando o balcão, afinal estava em ruínas. Não via o automóvel que chegou e retornou. A velha, para ele uma bruxa, sentada na mesma poltrona. Quando chegou apontou para fora e ele se virou. O carro do mesmo jeito que havia chegado. Correu para lá, ligou e embreou, saindo rapidamente, fazendo um balão e retornando passando pela casa. Parou. Não havia nada nela. Sequer a velha, bruxa, o balcão, somente pedaços delas e um telhado quase beirando o chão, pelo estado era o que parecia. Destruição total. Quando finalmente resolveu sair daquela situação, uma moça, na frente do carro, bateu levemente e o assustou novamente. Se continuar nessa situação vou morrer de susto. Ela deu a volta, abriu a porta e sentou-se ao seu lado.
- Vamos, então, já que quer a minha companhia.
- Não conheço você, pode sair, deve ser filha daquela bruxa. Afinal para onde ela foi?
- De volta à sua mente.
- Sim, pois não, e você?
- Sou a sua mente.
- Está louca, todos estão?
- Mas se não tem mais ninguém aqui, só você e eu! Você e a sua mente. Vou acompanhar, mas quando pedir perdão eu vou embora.
- Vai embora para onde, afinal, se é a minha mente.
- De volta para a terra. Não está lembrado, pescou você no lago.
- Sim, eu vi.
- Pois então, era a sua alma, perdida, suja, desamparada e desencontrada. O último crime que praticou acabou de vez com a sua sanidade. A alma perdida. Eu, a sua mente, fico aqui, se quiser. Vou embora, estou morta quando pedir. A sua alma pode levar, não posso fazer nada. Para onde é você que vai dizer. Fico ou saio?
- Se você sair eu morro?
- Isso mesmo.
- Então, saia. Prefiro a morte a essa maluquice toda. Ela o fez e ele morreu. Acordou e estava no mesmo lugar. Sorriu meio estranho esse sorriso. A casa e tudo o mais estava no mesmo lugar. Desmaiei no carro, rindo com exagero. Espera calma, estou bem. Ligou o carro e arrancou de vez. Quando passou pela placa, olhou para trás e viu que o número cinqüenta tinha se transformado em zero. O cinco desapareceu. Ele contou os quilômetros da casa e exatos cinqüenta. Voltou a estrada principal e à direita, empreendeu novamente para onde estava inicialmente tentando chegar. Mais sessenta quilômetros e a estrada à direita levava para a sua residência. Parou naquela esquina, posto para os viajantes, extenuado, veio sob tensão e dirigindo. Tentando lembrar o que acontecera e como foi possível conversar com a sua mente. Uma bela mulher. Eu sou homem e a minha mente é uma mulher. Pediu para encher o tanque, outra moça, explicando qual a chave e entrou para se refrescar e tomar uma água, cerveja, vinho, aguardente mesmo. Estou vivo. A velha, que considerava bruxa veio até ele, que se afastou do balcão.
- O que foi, está assustado comigo. Não mordo. Riu.
- Desculpe, me pareceu que a conhecia.
- E sou assim feia a ponto de recusar o meu contato? Desculpe, estava só pegando o prato sujo da sua frente. Vai querer o que, meu filho. Desculpe novamente, modo de falar. Então, quer o cardápio, já mostrando. Temos tudo, nunca falta nada para os viajantes. Ainda mais na condição especial quando chegam a nosso posto.
- É mesmo, e qual é essa condição especial?
- Bem, pediu para a minha irmã gêmea que queria estar morto à ficar com a sua mente, não foi. Então, agora vamos encaminhar você para onde deve ir. Só que antes tem que ler o cardápio para escolher. Ele abriu e toda a sua vida escrita, comentada, explicada, justificada e finalizada pela sua mente. Concordou com tudo. Menos com a distância que precisará percorrer para chegar à paz que almeja. Quando percebeu, todos os pescadores estavam de volta. Eram agentes e destinadores de espaços e os seus destinos. O dele, infelizmente, não era o melhor. Afinal, não pediu perdão das mortes que praticou principalmente a última. Da ex-mulher e dos filhos. Ciúmes mata, o dele foi pior ainda. Perdeu a mente totalmente e a loucura o levará para um espaço eterno de perdição. Mesmo com a alma pescada. Ele pescou só o ruim, o pouco de bom ficou nela. A que preferiu que morresse. Uma grande pena. Eles o colocaram no carro e seguiram a pista que sumiu.
- O que foi colega?
- Ataque cardíaco. Quando cheguei para acudir, falava alguma coisa sobre mente e alma, cidade da pesca ou qualquer coisa assim. Expirou em meus braços. A dona do posto disse que chegou muito cansado e deprimido. Chamou quando ele caiu para trás no balcão, depois que leu o cardápio. Situações da vida que a gente não entende.
- Está certo, fechando o zíper do saco plástico preto. Ele, do outro lado, viu e escutou esse barulho. Estava definitivamente fechado para o mundo que considerava real. Outra enorme e grande pena e perda. Outra enorme e grande, para aprender, de distância.

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