Está vendo o que estou fazendo. Percorrendo a alameda e já chegando em casa. Ou a casa como queira os puristas. Não nego mais nada. Estou desconsolado. E o sapato, amassado do lado, com os chutes que dei na mesa do chefe. Ele me provocou, muito, demais até. Chamar para falar, na frente de todos e me humilhar do jeito que fez, bem, não é assim que se tratam as pessoas. Ou se trata as pessoas. Outra mania dele, que achava até legal, bem, ótima, se quiser, quando me acertava, melhor, acertava não em mim, mas nas minhas escritas para o dia sair legal. Bem, embaralhei claro. Vou chutar essa lata de lixo. E escutei ela balançar e bater no poste na frente da casa dele. Isso mesmo estou chegando na casa dele, não na minha. Acho até que hoje eu não volto, já que me despediu depois que o xinguei. Não deveria, eu sei, mas o fiz. E a mesa levou os chutes, eu sei, não deveria, mas fiz. E o tapão, ou tapa grande, ou tapona, o que seja no rosto dele. Na cara também vale. Viu só, estou um pouco atrapalhado, essa é a verdade. Estou me sentindo mal. Ou melhor, mau. Bem mau. Mais do que mau. Estou esperando há bastante tempo para lhe dizer, ou completar, tudo o que me tem de ódio na garganta, na barriga, no saco e até no pé. E lá se foi de novo a lata de lixo, rindo baixinho e parecendo um pouco entorpecido. Estou avisando, pessoal, hoje eu vou acabar com tudo. E no poste, já dez horas da noite, eu vou esperar. Sim, pouca luz. Ele vai vir com aquele automóvel luxuoso e vai ver tudo o que vai dar. Ele vai me dar a vida dele, sem constrangimento. Vou implorar para que me escute. Ou escutar-me. Será que é assim? Se não for, também não importa. Eu vou matar ele. Ou matá-lo. Não importa se estiver morto, tanto faz como tanto fez. Olha ele, chegando.
- Oi, pai, gritou o menino. Vem logo. Eu sei, sou pai também, o que isso importa. Não mesmo. Ele me humilhou, foda-se. Se o menino tem um pai assim, nojento e estúpido vai ficar do mesmo jeito que ele. E viu, apreciando a corrida do menino para o carro. E logo atrás a irmãzinha. Não é que ela é bonitinha mesmo. E agora a patroa. Eu gosto dela, sempre bem arrumada, limpa, bonita, bem, linda até. Ele é um homem de sorte. Eu não, ou melhor, fui, não importa. Nada mais importa. E não adianta ficar mostrando coisas que não quero ver mais. Ele vai morrer. Vou matar ele, vou matá-lo e tudo o mais. E deixar mortinho. Que tal na frente de todos. Já que vou embora para sempre, é melhor. Ele chegou. Ótimo.
- Oi, pai, o menino gritou novamente batendo com as duas mãos na beirada, na porta da frente do veículo. Veículo ou carro, o que importa. Nada mais importa. E agora a menina. Veja que lindinha que é. Cabelos longos, negros, olhos felizes. Deve ser um ótimo pai, afinal vieram encontrá-lo, ou encontrar ele. Eu não sei mais o que estou fazendo aqui. Se ele me vir, não sei não. Pode começar outra briga. E vou ser humilhado novamente.
- Oi, querido.
- Oi, lindona. Vamos, estamos atrasados para o cinema. Desculpe, tive um atrito com um funcionário. Esqueci de pedir desculpas para ele. Agora é tarde.
- O que fez?
- Bem, briguei com ele e acho que o humilhei. Se ele estivesse aqui agora faria.
- O que você faria, apresentando-me e já com a arma na mão. Isso, por exemplo, acertei certinho, bem, um pouco de lado a cabeça do menino, ficando grudado no carro até, porque a cabeça bateu com força.
- Não, isso não ele gritou.
- Então isso, acertei com o mesmo jeito a cabeça da menina. Ela me olhou, coitadinha, mas com pena do irmão do que propriamente sentindo o perigo vindo de mim e da minha arma. Não importa. Ou não importa nada.
- Não, pare seu desgraçado, pare.
- Então isso, pronto, coitada dela. Linda, bem linda, diria. Mas morreu do mesmo jeito, um pouco arqueada, não chegando nem perto dos filhos, mas estava querendo que isso ocorresse. Foi feio o gesto, afinal caiu com a cabeça desengonçada e toda estripada nela. Ou o crânio bagunçado e as tripas, ou miolos, bem, não importa mesmo, já fiz, todo para fora. E apontei para ele. E estava sem balas, agora. Dei mais dois toques no revólver, calibre trinta e oito, grande, pesado. E já que não tinha mais paciência com os pés, afinal estava dolorido, ou com as mãos, estava com a arma na mão direita, a mais forte, eu resolvi partir para cima dele. E duas bordoadas no alto da cabeça. Que vai pedir desculpas coisa nenhuma. Da próxima vez, pense bem antes de falar mal, porque eu sou mau e fui mais ainda, ainda agora. E a turma da rua me olhando. Bem, eles resolveram fazer o que achavam que era certo. E eu acho que tinham razão mesmo. Afinal, ser trucidado depois de um ato insano desses, com uma família respeitada, bonita, asseada, comportada é para essa situação ser até, pensando bem, melhor do que ser estripado em uma prisão. Enquanto apanhava, acertei dois, com força na cabeça e foram saindo com rasgos nela, um na testa e outro na bochecha, abriu um corte profundo, tanto em um como no outro, fiz o que deveria ter feito antes. Matar e sair correndo. E fui, levando chutes, bordoadas, tentando bater também com o braço para trás, o direito, com a arma, acertando alguns que reclamavam de apanhar, mas não de bater. E doe muito apanhar. Deveriam ter e ser mais simpáticos comigo. Afinal, não sabem por que fiz. Nem mesmo eu sei bem porque fiz. Não sei mesmo. E cai, agora, sendo chutado e mais uma porrada com o revólver no joelho de um. Mas eram vários joelhos e os seguintes vieram na minha cara, um teve o desplante de pular com um deles no meu rosto. Acho que vou ficar marcado. Ou morrer. Sou um pouco indeciso com as minhas coisas. E chegou a turma da deixa disso. E empurraram os brutamontes para o lado. E o policial perguntou.
- O que foi que aconteceu aqui.
- Esse animal - sou eu - matou quatro pessoas, afirmou um deles.
- Não, respondi, não foram quatro não seu policial. Foram três. O outro só levou bordoada.
- Ainda confessa?
- Não senhor, sou inocente. E essa foi a pior, porque um deles me acertou com força na boca. E reclamei. Porra assim não consigo falar, saindo o sangue por ela. E mordi a língua. Mostrei para o policial. A língua ferida. E de volta, chegou, firme e forte, o cassetete. Doeu. Gemi. Levei mais duas. E ainda com a língua para o lado de fora. Perdi totalmente a consciência. Do perigo, não de fato. Estava lúcido, quando o revólver que caiu da minha mão, magicamente, com alguma bala, ele não, a bala, me acertou na testa. O que será que aconteceu depois? Não sei. Não posso contar o que não vi e não acompanhei.
- Então, tenente, tudo bem?
- Agora sim. Esse já encaminhamos. E vamos sair todos, vamos saindo. Caminhando para casa, todos vocês. E veja lá quem ele matou.
- Sim, senhor. E voltou.
- Foi o Estilingue, chefe.
- O Estilingue? O chefe de bando dessa porcaria de cidade? Coitado dele. Não deveria ter morrido então. Fez um bem para a humanidade.
- E os filhos, a mulher.
- O que acha que vou pensar. Nada demais. Efeito colateral. Deixa para lá. Chame o rabecão. Ou chame-o. Sabe do que estou falando.
- Sim, senhor. Caminhando pessoal, todos para casa. Acabou a folia. Só um bandido morto. E ouviu o gemido dele, levantando-se. Ainda vive, vaso ruim não quebra mesmo. Ouviu-se um novo tiro. Quem fez não se sabe. Esse agora eu sei. Estou com ele, aqui, desse lado. Ninguém nos vê. E a família toda atrás de mim, xingando, me chutando, ou chutando-me. Bem que avisei para ele. Anos de serviços, o trabalho sujo só feito por mim e ele no bem bom. Bem bom está agora. E rindo. Bem, lá se vão às coisas e as pessoas. Eu disse, antes, que não poderia contar. Mas agora, sim, posso. E vocês vão entender tudo o que se passou. Estava no escritório quando esse besta...
domingo, 20 de março de 2011
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
Livraria
Ela está, de novo, em frente à livraria. Que gosta muito mesmo, ler. Mas está à procura da solução da sua vida em termos de literatura. Já pesquisou muitos deles. Assim, desde criança. Ávida por leituras. Romances, na fase inicial entre o começo da puberdade, sonhando com os príncipes encantados da fase infantil e juvenil. Agora, mais elaborados, alguns até proibidos pela mãe. Que coisa, só porque diz o óbvio, foi a discussão. Sexo. Amantes. Flores na janela, no vaso e no jarro. Flores para receber o seu amor no meio da noite. Ou durante o dia, no jardim e no parque. Antes infantil. Agora, juvenil. E os príncipes, rindo, dizendo bobagens, com os seus arremedos de lança. E foi assim que foi proibida de ler. Esse arremedo de lança. O pai sorriu, constrangido. A mãe, brava. E ela, depois de mais leituras, algumas escondidas, se refaz, quando não pode comprar, no meio das crianças, gritando e falando para a mãe o famoso compra esse, lia o que, agora, as livrarias dispõem. Sente-se e leia se gosta. Se adorar, compre. E pode pagar com cartão de crédito ou débito. Aceitamos cheques de clientes cadastrados e até, os vales surpresa e de presentes. Assim, livrarias. Café não toma. Refrigerante, sim, adoro. E comprava, quando o pai lhe dava a mesada, pouca, um deles. O refrigerante e um livro, lendo. E o sorriso, alguns falsos, dos atendentes. Para não ser reconhecida como leitora e não compradora, duas poucas livrarias se dispunha a deixar que o fizesse. Ler a tarde toda. Aos sábados. Quando não precisa ajudar a mãe. Nesse dia, especial, ela limpa a casa toda. Ela limpa. Eu saio. O meu pai também. Ele para o futebol e eu para a livraria.
- Não se esqueça, até as dezoito horas, sempre o convite da mãe. Volte antes das dezenove. Aonde você vai hoje? Deixe o número do telefone. E as respostas, iguais.
- Ta, ta, ta, assim. Uma ta, ta, ta, direto. E saía. O pai, bem antes. Ela depois do almoço. E ficou toda a sua juventude nesse mister. Conhecer aos garotos, agora, depois das salas de aulas, pesquisas na internet (algumas na própria livraria) e mais outras e outras inúmeras condições para poder entrar na faculdade. Ou dificuldade, para algumas matérias. Física, química, quem precisa disso? Literatura? Quem pode viver sem isso? Ou melhor, quem pode viver sem a felicidade. Ninguém. Eu, nunca. E o folhear de inúmeros registros de contos, novelas (algumas), suspense, ação, mortes e destruição. Clássicos sim, quase todos, se possível. E o óculo foi um dos fatores que não gostou de ganhar. Mas parar de ler, nunca. E se especializar, até, em criar outras cenas. Discutir o fato do autor não matar o bandido, veja só. Ele escapou. De uma morte da esposa...
- Gostou? Ela se assustou com o atendente.
- Sim, estou gostando. Posso continuar a ler, prestando atenção nele. Nossa como deixei esse garotão passar?
- Adora ler?
- Muito.
- Somente os clássicos, falou ele, também com cara de devorador. De livros, pensou, mas será que está me paquerando? Por favor, faça isso, você é muito bonito, foi o pensamento rápido.
- Não, de tudo um pouco. Você trabalha na livraria, falou sem pensar e ele riu. Estava puxando assunto, fique aqui comigo, por favor, você é lindo. Estou apaixonada. Ele sorriu evidente. Ali estava o nome na lapela, esquerda, perto do coração. Flávio. Lindo o Flávio.
- Daniela, você é a Daniela.
- Como sabe, perguntou. Ele, de posse do cartão para que ela assinasse. Sorriu.
- Sim, desculpe se fui intrometido. Pode voltar a ler depois de assinar. Fique à vontade.
- Estou muito a vontade, falou parecendo uma menininha enamorada. Recompôs-se rapidamente. Sim, obrigada, pegando o cartão para assinar. Leitora, mesmo. Viu as outras assinaturas que fez e a montanha de livros que já colecionou na mente. Agora, sorrindo, mais feliz do que o devido. Ele é novo? Já trabalha aqui há muito tempo?
- Não, sou novo, falou e sorriu. Filho do dono salientou. Acabei os meus estudos de literatura na faculdade. E você?
- Estou no último ano. O tempo passa depressa quando se está lendo, vendo o horário. Desculpe, posso voltar amanhã?
- Pode levar a livraria se quiser, brincou. Quais? Espere, quando pegou de volta o que estava lendo. Não vai marcar?
- Vou sim, leio amanhã.
- Domingo?
- É mesmo, vou embora. Já está tarde.
- Quer continuar a leitura mais tarde?
- Não entendi.
- Bem, coçando um pouco a cabeça, constrangido. Desculpe, mas o certo é que estou convidando você para uma leitura de cardápio. Ela sorriu, levemente. Ele é lindo, gente, como pode isso? O príncipe encantado saiu de qual livro? E dono de livraria? Não posso pedir mais do que o devido. Eu quero sim, pensou.
- Pode ser. Pode ser, repetiu, com ar de dúvida.
- Bem, posso lhe entregar o meu cartão para assinar? Ela sorriu novamente. Engraçadinho ainda por cima. Mas não vou lhe dar mais oportunidade do que o devido.
- Engraçadinho, brincou. Posso sim, depois do jantar. Desculpe, é jantar ou lanche, devolveu e o deixou pior.
- Por que, se for lanche não vai aceitar?
- Começamos mal ou estou sentindo uma restrição maior.
- O que você quiser, falou finalmente. Vamos?
- Sim, vou lhe dar uma oportunidade. Só até a meia noite.
- Gata Borralheira?
- Bobo, nada disso. O horário, apesar da minha idade, é preciso que seja respeitado. A minha mãe vai me cobrar e pronto. O meu pai e o meu irmão também. São ciumentos.
- Coisa, essa de ciúmes, que não tenho nem um pouco.
- Sei, ainda bem. Vou acreditar juro, quando ele fez o ar de interrogação para a expressão dela de meio enfado e descrença. Juro.
- Pronto, entendi. Até mais à noite.
- Não vai perguntar onde moro? Ele balançou o cartão.
- O meu telefone, rindo. E o cartão balançando.
- Estou frita, pelo visto. Devo muito? Ahá está me cobrando, não é? Seu bandido!
- Nada disso. Estou dizendo, balançando, que sei de tudo de você. Até quando vem da outra livraria. Eles não deixam todos os dias?
- Bandido! Sem vergonha! Bobo! E o riso farto dos dois. Foi um ótimo começo, pensou. Simpático, bonito, forte, deve fazer exercícios. Está ótimo. Uma oportunidade fora dos romances dos livros. Será ótimo. E foi realmente. Não somente a primeira noite, mas outras, até a confiança total da família. Mais dois anos, ela se formou, noivou, antecipou a lua de mel e um ano infinito de prazer, complementando a lua de mel. Agora pensou novamente, na livraria de seus sonhos, como sócia proprietária, o marido, aos sábados, não fica ali. O famoso futebol, com o irmão e o pai. E até convida, aceito de vez em quando para os seus. Sogro, cunhado, primos. Uma maravilha. Bem, nem tanto. Especializou-se nessa questão de se ver, sempre, sozinha no fim de semana. Sábado, não conta mais com ele. Domingo, muito menos. Está um pouco abandonada. E se vir bem, voltou à infância, juventude e todas as informações que acompanhou através dela e sua evolução. Nada em baixo, assim, pequena e manuseando para o começo do prazer. Agora, em cima, túrgidos e pedindo amor. Depois, mais confortável, nenhum outro namorado, ele soube apreciar, usar, manipular e finalmente, proibir. Proibir de sair, de passear mesmo, até com ele. Os ciúmes. Bem, disse que não havia na conquista. Agora, as lágrimas jorram por dentro dos óculos. E não é, propriamente, do que e sobre o que está lendo. Um mártir, esse coitado. A porta abriu, tocou uma pequena atenção e ela vislumbrou outro príncipe encantado. Que charme. Trinta e seis anos de idade. Ela, agora, está mais forte e firme nos sentimentos. E vai ficar apaixonada por esse outro, com certeza. Certeza.
- Olá, tudo bem?
- Sim, como vai. O que precisa. Está atrás de que tipo de literatura, apontando as várias prateleiras já com elas mostrando, com um cartaz enorme. Literatura, Economia, Finanças, Administração. Ficção, romance, policial...
- Nada não. Vim atrás de você mesmo.
- Como é que é. Sou casada, não se enxerga não. Pode sair. Vou chamar a polícia.
- Polícia, caramba, sequer começou a sedução, falou sorrindo, enigmático. O seu marido não lhe dá conta e trata assim quem lhe quer?
- É um estúpido, isso sim. Pode se retirar, por favor. Ele pegou em sua mão, ela tirou. Ele viu o título do livro. Morte em Stalingrado. Outro, embaixo. Morte do Caixeiro Viajante. Outro título, o terceiro. As Razões da Morte Anunciada. E apontou esse último.
- Gostou?
- Não li ainda.
- Tem várias mortes. Inúmeras maneiras de se fazer isso também. Eu gostei. Está treinando para matar alguém?
- Quem é você, afinal? Parece um matador profissional, arreliou. Está me contratando para matar alguém, rindo mais alto. Só faltava essa.
- Não, sou eu, apontando novamente o livro.
- Eu quem?
- O matador. Vim porque me chamou.
- Mas sequer li o livro.
- Mas leu o outro onde estou também. Ela se lembrou, leu o primeiro e o segundo. Esse último fazia parte de uma trilogia. E ele, sorrindo, lhe dizendo com todos os erres e vogais sonantes e dissonantes que era o próprio. O matador.
- Você morre?
- Sim, nesse que ainda não leu. Portanto, aproveite, falou sério.
- Só me faltava essa. E para o que vou precisar dos seus serviços, afinal?
- Acabar com o seu marido, quem mais? Sem sangue. Eu tenho um método infalível.
- Quer sair, por favor. Ele a pegou na mão novamente. E uma sensação estranha e esquisita. Parecia sem peso. Tirou dele, em cima do balcão. A porta abriu novamente e eram três meninas, rindo e dando adeus a ela. Três lindas crianças, sorridentes. Como ela. Adoram ler. E as deixa fazer o mesmo que sempre fez. Até trazer os outros meninos dos quais gostam. Muito. Ela deixa. Assim, como sempre, confirma com as mães que elas ali estão. A ligação faz o controle. Das mães. Como a sua mesma. Que acabou permitindo, sem saber, se tornar uma sogra horrível para ele. Motivo? Como a trata.
- Está pensando não está? Vamos fazer negócio, dando adeus às meninas.
- Saia, por favor. Vai ler alguma coisa?
- Não sei ler. Sou personagem, falou sério.
- Não sabe ler. Não foi isso que estava escrito no romance. Policial. Suspense. Não sei bem, não lembro mais dos detalhes, sentenciou. Ele sorriu e se afastou. Passou pelas meninas, olhou várias estantes, pegou um livro e sentou-se para ler. Ela percebeu de onde tirou um exemplar. Policial. Deixa, só pode, não, é bobagem. E se virou para ver os outros que havia separado no balcão. Quando levantou os olhos não o viu mais. E não escutou a campainha ou badalo, melhor dizendo, da porta. Tanto para abrir e sair, como abrir e entrar. E vislumbrou até pelo sistema de controle do local. Nada, não está em lugar nenhum. Deixou para lá, depois que elas começaram a rir e a se mostrar, brincar com os livros. Agora precisa voltar a trabalhar. Depois eu leio. E o fez, no domingo. Quando soube o texto, completo concordou com a morte dele. Um estúpido. E já haviam matado muitas. Um matador em série. E sorriu quando se lembrou do modo com que ele chegou até ela. Na descrição do personagem, na primeira edição, o primeiro livro, estava corretíssimo. Era mesmo ele. Nada, fiquei impressionada. Vai ver, depois de morto, vai voltar, pensou bem. Só mesmo escritora, como eu gostaria de ser, possa pensar assim.
- Oi querida, pode me trazer, afinal, a minha cerveja, escutou da sala. Está no meio do jogo, falou e gritou novamente. O irmão, dele, mais dois primos. O seu irmão, brigado com ele depois que levou um chute na canela e quase quebrou no jogo de futebol. A discussão gerou um mal estar na família e, nesse domingo em particular foi terrível toda a situação. Acabou até com o almoço que, vendo bem, a feita aturar as suas inconveniências.
- Já estou indo, amor, falou displicente. Já estou indo. E fechou, de vez, no fim, o livro. Fácil. Fácil. Quando chegou à sala, a lata de cerveja, uma para cada um. Com diferentes formatos. Alguns como os dele, com um veneno mortal. As dos primos deles, bem menos. Vão levar outras semanas para atuar. Bem, até que a leitura faz um bem danado. Com a lembrança, ótima, do meu amado que me ensinou tudo o que sei agora.
- Obrigado, querida, ele ainda falou. Dissimulado. Ele só me xinga, todo o tempo. E não faz sexo comigo há muito tempo. Deixa ver, seis meses. Isso mesmo. Para que me quer, se tem amante. As leitoras, uma das quais, morreu na semana passada, de mal estar, era uma das que o visitava. Afrontando-me. Na minha frente, abracinhos e beijinhos carinhosos. Sei, sei. Agora sei como se faz. E vou acabar com ele. Chega de matar quem o ama. Agora mato mesmo, de vez, a minha vontade de poder sair. Para outras livrarias. Afinal, nem só de trabalho se vive. E de escrava então, pior.
- De nada, amor. O time está ganhando?
- Empate. E, flor, pode nos trazer um salgadinho e lanchinho também?
- Claro, amor, com certeza. Vocês querem de presunto ou queijo?
- Os dois. Vocês também? Sim, ela ouviu. De todos. Contou os famigerados presentes. E esfomeados. Acabaram de almoçar. Sou empregada doméstica. Sei, sei muito bem. Esse é o último domingo. Amanhã vou precisar ver, tenho e sei onde procurar, como fazer para arrumar todo o inventário. Na seção de advocacia. Já li um. Foi ótimo. Diz todos os ditames para a legislação sobre o assunto. Adorei. Muito técnico, mas consegui. Não gosto de algumas matérias. Mas a química, que detestava no tempo da escola, básica, me fez fazer um ótimo arranjado de veneno. Doméstico, como estou sendo e fazendo agora. Um pouco no sanduíche deve fazer bem, pensou. Um sorriso sarcástico. Um modo de ver a vida. Até, a partir de hoje, ler algo sobre como viver bem. Com saúde.
- Não se esqueça, até as dezoito horas, sempre o convite da mãe. Volte antes das dezenove. Aonde você vai hoje? Deixe o número do telefone. E as respostas, iguais.
- Ta, ta, ta, assim. Uma ta, ta, ta, direto. E saía. O pai, bem antes. Ela depois do almoço. E ficou toda a sua juventude nesse mister. Conhecer aos garotos, agora, depois das salas de aulas, pesquisas na internet (algumas na própria livraria) e mais outras e outras inúmeras condições para poder entrar na faculdade. Ou dificuldade, para algumas matérias. Física, química, quem precisa disso? Literatura? Quem pode viver sem isso? Ou melhor, quem pode viver sem a felicidade. Ninguém. Eu, nunca. E o folhear de inúmeros registros de contos, novelas (algumas), suspense, ação, mortes e destruição. Clássicos sim, quase todos, se possível. E o óculo foi um dos fatores que não gostou de ganhar. Mas parar de ler, nunca. E se especializar, até, em criar outras cenas. Discutir o fato do autor não matar o bandido, veja só. Ele escapou. De uma morte da esposa...
- Gostou? Ela se assustou com o atendente.
- Sim, estou gostando. Posso continuar a ler, prestando atenção nele. Nossa como deixei esse garotão passar?
- Adora ler?
- Muito.
- Somente os clássicos, falou ele, também com cara de devorador. De livros, pensou, mas será que está me paquerando? Por favor, faça isso, você é muito bonito, foi o pensamento rápido.
- Não, de tudo um pouco. Você trabalha na livraria, falou sem pensar e ele riu. Estava puxando assunto, fique aqui comigo, por favor, você é lindo. Estou apaixonada. Ele sorriu evidente. Ali estava o nome na lapela, esquerda, perto do coração. Flávio. Lindo o Flávio.
- Daniela, você é a Daniela.
- Como sabe, perguntou. Ele, de posse do cartão para que ela assinasse. Sorriu.
- Sim, desculpe se fui intrometido. Pode voltar a ler depois de assinar. Fique à vontade.
- Estou muito a vontade, falou parecendo uma menininha enamorada. Recompôs-se rapidamente. Sim, obrigada, pegando o cartão para assinar. Leitora, mesmo. Viu as outras assinaturas que fez e a montanha de livros que já colecionou na mente. Agora, sorrindo, mais feliz do que o devido. Ele é novo? Já trabalha aqui há muito tempo?
- Não, sou novo, falou e sorriu. Filho do dono salientou. Acabei os meus estudos de literatura na faculdade. E você?
- Estou no último ano. O tempo passa depressa quando se está lendo, vendo o horário. Desculpe, posso voltar amanhã?
- Pode levar a livraria se quiser, brincou. Quais? Espere, quando pegou de volta o que estava lendo. Não vai marcar?
- Vou sim, leio amanhã.
- Domingo?
- É mesmo, vou embora. Já está tarde.
- Quer continuar a leitura mais tarde?
- Não entendi.
- Bem, coçando um pouco a cabeça, constrangido. Desculpe, mas o certo é que estou convidando você para uma leitura de cardápio. Ela sorriu, levemente. Ele é lindo, gente, como pode isso? O príncipe encantado saiu de qual livro? E dono de livraria? Não posso pedir mais do que o devido. Eu quero sim, pensou.
- Pode ser. Pode ser, repetiu, com ar de dúvida.
- Bem, posso lhe entregar o meu cartão para assinar? Ela sorriu novamente. Engraçadinho ainda por cima. Mas não vou lhe dar mais oportunidade do que o devido.
- Engraçadinho, brincou. Posso sim, depois do jantar. Desculpe, é jantar ou lanche, devolveu e o deixou pior.
- Por que, se for lanche não vai aceitar?
- Começamos mal ou estou sentindo uma restrição maior.
- O que você quiser, falou finalmente. Vamos?
- Sim, vou lhe dar uma oportunidade. Só até a meia noite.
- Gata Borralheira?
- Bobo, nada disso. O horário, apesar da minha idade, é preciso que seja respeitado. A minha mãe vai me cobrar e pronto. O meu pai e o meu irmão também. São ciumentos.
- Coisa, essa de ciúmes, que não tenho nem um pouco.
- Sei, ainda bem. Vou acreditar juro, quando ele fez o ar de interrogação para a expressão dela de meio enfado e descrença. Juro.
- Pronto, entendi. Até mais à noite.
- Não vai perguntar onde moro? Ele balançou o cartão.
- O meu telefone, rindo. E o cartão balançando.
- Estou frita, pelo visto. Devo muito? Ahá está me cobrando, não é? Seu bandido!
- Nada disso. Estou dizendo, balançando, que sei de tudo de você. Até quando vem da outra livraria. Eles não deixam todos os dias?
- Bandido! Sem vergonha! Bobo! E o riso farto dos dois. Foi um ótimo começo, pensou. Simpático, bonito, forte, deve fazer exercícios. Está ótimo. Uma oportunidade fora dos romances dos livros. Será ótimo. E foi realmente. Não somente a primeira noite, mas outras, até a confiança total da família. Mais dois anos, ela se formou, noivou, antecipou a lua de mel e um ano infinito de prazer, complementando a lua de mel. Agora pensou novamente, na livraria de seus sonhos, como sócia proprietária, o marido, aos sábados, não fica ali. O famoso futebol, com o irmão e o pai. E até convida, aceito de vez em quando para os seus. Sogro, cunhado, primos. Uma maravilha. Bem, nem tanto. Especializou-se nessa questão de se ver, sempre, sozinha no fim de semana. Sábado, não conta mais com ele. Domingo, muito menos. Está um pouco abandonada. E se vir bem, voltou à infância, juventude e todas as informações que acompanhou através dela e sua evolução. Nada em baixo, assim, pequena e manuseando para o começo do prazer. Agora, em cima, túrgidos e pedindo amor. Depois, mais confortável, nenhum outro namorado, ele soube apreciar, usar, manipular e finalmente, proibir. Proibir de sair, de passear mesmo, até com ele. Os ciúmes. Bem, disse que não havia na conquista. Agora, as lágrimas jorram por dentro dos óculos. E não é, propriamente, do que e sobre o que está lendo. Um mártir, esse coitado. A porta abriu, tocou uma pequena atenção e ela vislumbrou outro príncipe encantado. Que charme. Trinta e seis anos de idade. Ela, agora, está mais forte e firme nos sentimentos. E vai ficar apaixonada por esse outro, com certeza. Certeza.
- Olá, tudo bem?
- Sim, como vai. O que precisa. Está atrás de que tipo de literatura, apontando as várias prateleiras já com elas mostrando, com um cartaz enorme. Literatura, Economia, Finanças, Administração. Ficção, romance, policial...
- Nada não. Vim atrás de você mesmo.
- Como é que é. Sou casada, não se enxerga não. Pode sair. Vou chamar a polícia.
- Polícia, caramba, sequer começou a sedução, falou sorrindo, enigmático. O seu marido não lhe dá conta e trata assim quem lhe quer?
- É um estúpido, isso sim. Pode se retirar, por favor. Ele pegou em sua mão, ela tirou. Ele viu o título do livro. Morte em Stalingrado. Outro, embaixo. Morte do Caixeiro Viajante. Outro título, o terceiro. As Razões da Morte Anunciada. E apontou esse último.
- Gostou?
- Não li ainda.
- Tem várias mortes. Inúmeras maneiras de se fazer isso também. Eu gostei. Está treinando para matar alguém?
- Quem é você, afinal? Parece um matador profissional, arreliou. Está me contratando para matar alguém, rindo mais alto. Só faltava essa.
- Não, sou eu, apontando novamente o livro.
- Eu quem?
- O matador. Vim porque me chamou.
- Mas sequer li o livro.
- Mas leu o outro onde estou também. Ela se lembrou, leu o primeiro e o segundo. Esse último fazia parte de uma trilogia. E ele, sorrindo, lhe dizendo com todos os erres e vogais sonantes e dissonantes que era o próprio. O matador.
- Você morre?
- Sim, nesse que ainda não leu. Portanto, aproveite, falou sério.
- Só me faltava essa. E para o que vou precisar dos seus serviços, afinal?
- Acabar com o seu marido, quem mais? Sem sangue. Eu tenho um método infalível.
- Quer sair, por favor. Ele a pegou na mão novamente. E uma sensação estranha e esquisita. Parecia sem peso. Tirou dele, em cima do balcão. A porta abriu novamente e eram três meninas, rindo e dando adeus a ela. Três lindas crianças, sorridentes. Como ela. Adoram ler. E as deixa fazer o mesmo que sempre fez. Até trazer os outros meninos dos quais gostam. Muito. Ela deixa. Assim, como sempre, confirma com as mães que elas ali estão. A ligação faz o controle. Das mães. Como a sua mesma. Que acabou permitindo, sem saber, se tornar uma sogra horrível para ele. Motivo? Como a trata.
- Está pensando não está? Vamos fazer negócio, dando adeus às meninas.
- Saia, por favor. Vai ler alguma coisa?
- Não sei ler. Sou personagem, falou sério.
- Não sabe ler. Não foi isso que estava escrito no romance. Policial. Suspense. Não sei bem, não lembro mais dos detalhes, sentenciou. Ele sorriu e se afastou. Passou pelas meninas, olhou várias estantes, pegou um livro e sentou-se para ler. Ela percebeu de onde tirou um exemplar. Policial. Deixa, só pode, não, é bobagem. E se virou para ver os outros que havia separado no balcão. Quando levantou os olhos não o viu mais. E não escutou a campainha ou badalo, melhor dizendo, da porta. Tanto para abrir e sair, como abrir e entrar. E vislumbrou até pelo sistema de controle do local. Nada, não está em lugar nenhum. Deixou para lá, depois que elas começaram a rir e a se mostrar, brincar com os livros. Agora precisa voltar a trabalhar. Depois eu leio. E o fez, no domingo. Quando soube o texto, completo concordou com a morte dele. Um estúpido. E já haviam matado muitas. Um matador em série. E sorriu quando se lembrou do modo com que ele chegou até ela. Na descrição do personagem, na primeira edição, o primeiro livro, estava corretíssimo. Era mesmo ele. Nada, fiquei impressionada. Vai ver, depois de morto, vai voltar, pensou bem. Só mesmo escritora, como eu gostaria de ser, possa pensar assim.
- Oi querida, pode me trazer, afinal, a minha cerveja, escutou da sala. Está no meio do jogo, falou e gritou novamente. O irmão, dele, mais dois primos. O seu irmão, brigado com ele depois que levou um chute na canela e quase quebrou no jogo de futebol. A discussão gerou um mal estar na família e, nesse domingo em particular foi terrível toda a situação. Acabou até com o almoço que, vendo bem, a feita aturar as suas inconveniências.
- Já estou indo, amor, falou displicente. Já estou indo. E fechou, de vez, no fim, o livro. Fácil. Fácil. Quando chegou à sala, a lata de cerveja, uma para cada um. Com diferentes formatos. Alguns como os dele, com um veneno mortal. As dos primos deles, bem menos. Vão levar outras semanas para atuar. Bem, até que a leitura faz um bem danado. Com a lembrança, ótima, do meu amado que me ensinou tudo o que sei agora.
- Obrigado, querida, ele ainda falou. Dissimulado. Ele só me xinga, todo o tempo. E não faz sexo comigo há muito tempo. Deixa ver, seis meses. Isso mesmo. Para que me quer, se tem amante. As leitoras, uma das quais, morreu na semana passada, de mal estar, era uma das que o visitava. Afrontando-me. Na minha frente, abracinhos e beijinhos carinhosos. Sei, sei. Agora sei como se faz. E vou acabar com ele. Chega de matar quem o ama. Agora mato mesmo, de vez, a minha vontade de poder sair. Para outras livrarias. Afinal, nem só de trabalho se vive. E de escrava então, pior.
- De nada, amor. O time está ganhando?
- Empate. E, flor, pode nos trazer um salgadinho e lanchinho também?
- Claro, amor, com certeza. Vocês querem de presunto ou queijo?
- Os dois. Vocês também? Sim, ela ouviu. De todos. Contou os famigerados presentes. E esfomeados. Acabaram de almoçar. Sou empregada doméstica. Sei, sei muito bem. Esse é o último domingo. Amanhã vou precisar ver, tenho e sei onde procurar, como fazer para arrumar todo o inventário. Na seção de advocacia. Já li um. Foi ótimo. Diz todos os ditames para a legislação sobre o assunto. Adorei. Muito técnico, mas consegui. Não gosto de algumas matérias. Mas a química, que detestava no tempo da escola, básica, me fez fazer um ótimo arranjado de veneno. Doméstico, como estou sendo e fazendo agora. Um pouco no sanduíche deve fazer bem, pensou. Um sorriso sarcástico. Um modo de ver a vida. Até, a partir de hoje, ler algo sobre como viver bem. Com saúde.
Fumar faz mal à saude
Loucura
(Fumar faz mal à saúde)
Estafado do dia. Acabou, fechou as gavetas, depois que pegou todos os seus apetrechos. Chave da própria, do carro, o caderninho de notas e tudo o mais, a carteira, o maço de cigarros. Fechado. Cheio. Não fuma há seis meses, mas gosta desse sacrifício de olhar, não amassar, não se tornar um pérfido, um perdido, um não sentimental com ele, seu companheiro por mais de vinte anos. Um deles, por dia, depois que chegou a consumir dois até, ou um e meio, contava e contava as bicas em seu cinzeiro. Que agora, guarda na gaveta. Fechada. Uma relíquia. Presente da esposa. Sim, hoje vou chegar a casa, feliz, mais um dia que não faço o que ela detesta e reclama. Fiz tratamento dentário, os dentes voltaram a ficar quase brancos, afinal a idade não permite que o esmalte fique na cor que deveria arrumados com o excesso de nicotina. Sim, a nicotina fica arrumadinha neles, agora no espelho do banheiro, verificando todo o seu esquema. Todo o dente, quanto a isso cuidou bem. As cáries, vida curtíssima. Todas elas, bem colocadas, mudadas pelo cinza, brilhante, depois opaco e finalmente pelo esmalte. Nova tecnologia. Até nesse da frente, ficou pouco diferente, não dá para ver, verificando o sorriso.
- E aí, André, tudo bem? Está lindo, vai comer...
- Vou para casa, ver a esposa.
- E precisa de todo esse trato?
- Claro que sim, hoje é um dia especial. Nosso aniversário de deixar de fumar.
- Ela fumava também?
- Sim, charutos e cigarros. Uma fumante inveterada. Depois que tivemos... bem, não importa.
- Pode falar uma noite inesquecível de amor, vai ver. Pode falar, lavando o rosto e enxugando, puxando os papéis.
- Isso mesmo. Somos adultos, é verdade. Uma noite inesquecível de amor.
- Certo, certo, eu compreendo. Pode deixar... quer dizer, tudo bem, tenha uma ótima noite, André.
- Certo Napoleão.
- Ei, louco é você, meu nome é Antonio, seu... bem, deixa para lá. Já falei que não gosto do apelido. E louco é esse pessoal do escritório. Já foram todos embora?
- Sim, já. De onde você veio, afinal, para não tê-los visto. Está ficando idiota ou o que.
- Vim de lá... apontando e ele olhou novamente para o espelho. E não viu o louco, o Napoleão. E do lado dele, agora, rindo.
- Porra, o que é isso, se afastando e ficando, praticamente, preso na parede, com os braços para frente e totalmente alucinado.
- Calma, calma, está vendo o motivo do seu aniversário. Calma, André, eu estou bem, estou vivo. Só o espelho que não me vê. Eu não tenho culpa. Deve ser problema do fabricante.
- E você se vê no espelho. Caralho. Fiquei louco. Falta de fumaça no pulmão.
- Não, nada disso. Não vai descumprir a promessa que fez para ela naquela noite.
- Como sabe que era noite? O que você quer dizer com isso?
- Não sei, porque falei dessa maneira. Bem, terminando, puxando o pente e fazendo todo o trajeto até no final, batendo os dentes, novamente, neles, no pescoço, passando forte por ele, coçando. E o André, aos poucos, foi saindo, com ele distraído. E disparou para o elevador. Tocou. Abriu. E quando ele chegou e fez para receber o próprio, André, ali estava o Napoleão. O Antonio. Ele parou. O outro o puxou para dentro, com a mão forte que sempre foi possuidor. Pensando bem, quando foi que o Napoleão desapareceu? É verdade, ele faz tempo que não o via, apesar de ser de outro departamento.
- Vamos juntos. Quero ver se realmente não vai usar o maço.
- Ele está fechado, ficando longe dele. O segurança, quando ele saiu do elevador em disparada, abrindo a porta e correndo pela avenida, sorriu.
- É assim mesmo. Basta ver o Napoleão e esse pessoal corre desse jeito. O que foi agora, Napoleão?
- Ele não pode voltar a fumar, Aléssio. E você também não. Ele abriu a gaveta e mostrou. Fechado, completamente. E numerado. Foi o Napoleão. E ele viu o homem, o Napoleão sumir pela porta, que chegou a dar mais dois giros, pela batida do André.
- É assim mesmo. A fumaça deve ter feito mal para nós. Ele viu, eu vi que ele conseguiu ver o Napoleão. Um louco. Um louco que nos deixa assim. Cumprindo promessas.
(Fumar faz mal à saúde)
Estafado do dia. Acabou, fechou as gavetas, depois que pegou todos os seus apetrechos. Chave da própria, do carro, o caderninho de notas e tudo o mais, a carteira, o maço de cigarros. Fechado. Cheio. Não fuma há seis meses, mas gosta desse sacrifício de olhar, não amassar, não se tornar um pérfido, um perdido, um não sentimental com ele, seu companheiro por mais de vinte anos. Um deles, por dia, depois que chegou a consumir dois até, ou um e meio, contava e contava as bicas em seu cinzeiro. Que agora, guarda na gaveta. Fechada. Uma relíquia. Presente da esposa. Sim, hoje vou chegar a casa, feliz, mais um dia que não faço o que ela detesta e reclama. Fiz tratamento dentário, os dentes voltaram a ficar quase brancos, afinal a idade não permite que o esmalte fique na cor que deveria arrumados com o excesso de nicotina. Sim, a nicotina fica arrumadinha neles, agora no espelho do banheiro, verificando todo o seu esquema. Todo o dente, quanto a isso cuidou bem. As cáries, vida curtíssima. Todas elas, bem colocadas, mudadas pelo cinza, brilhante, depois opaco e finalmente pelo esmalte. Nova tecnologia. Até nesse da frente, ficou pouco diferente, não dá para ver, verificando o sorriso.
- E aí, André, tudo bem? Está lindo, vai comer...
- Vou para casa, ver a esposa.
- E precisa de todo esse trato?
- Claro que sim, hoje é um dia especial. Nosso aniversário de deixar de fumar.
- Ela fumava também?
- Sim, charutos e cigarros. Uma fumante inveterada. Depois que tivemos... bem, não importa.
- Pode falar uma noite inesquecível de amor, vai ver. Pode falar, lavando o rosto e enxugando, puxando os papéis.
- Isso mesmo. Somos adultos, é verdade. Uma noite inesquecível de amor.
- Certo, certo, eu compreendo. Pode deixar... quer dizer, tudo bem, tenha uma ótima noite, André.
- Certo Napoleão.
- Ei, louco é você, meu nome é Antonio, seu... bem, deixa para lá. Já falei que não gosto do apelido. E louco é esse pessoal do escritório. Já foram todos embora?
- Sim, já. De onde você veio, afinal, para não tê-los visto. Está ficando idiota ou o que.
- Vim de lá... apontando e ele olhou novamente para o espelho. E não viu o louco, o Napoleão. E do lado dele, agora, rindo.
- Porra, o que é isso, se afastando e ficando, praticamente, preso na parede, com os braços para frente e totalmente alucinado.
- Calma, calma, está vendo o motivo do seu aniversário. Calma, André, eu estou bem, estou vivo. Só o espelho que não me vê. Eu não tenho culpa. Deve ser problema do fabricante.
- E você se vê no espelho. Caralho. Fiquei louco. Falta de fumaça no pulmão.
- Não, nada disso. Não vai descumprir a promessa que fez para ela naquela noite.
- Como sabe que era noite? O que você quer dizer com isso?
- Não sei, porque falei dessa maneira. Bem, terminando, puxando o pente e fazendo todo o trajeto até no final, batendo os dentes, novamente, neles, no pescoço, passando forte por ele, coçando. E o André, aos poucos, foi saindo, com ele distraído. E disparou para o elevador. Tocou. Abriu. E quando ele chegou e fez para receber o próprio, André, ali estava o Napoleão. O Antonio. Ele parou. O outro o puxou para dentro, com a mão forte que sempre foi possuidor. Pensando bem, quando foi que o Napoleão desapareceu? É verdade, ele faz tempo que não o via, apesar de ser de outro departamento.
- Vamos juntos. Quero ver se realmente não vai usar o maço.
- Ele está fechado, ficando longe dele. O segurança, quando ele saiu do elevador em disparada, abrindo a porta e correndo pela avenida, sorriu.
- É assim mesmo. Basta ver o Napoleão e esse pessoal corre desse jeito. O que foi agora, Napoleão?
- Ele não pode voltar a fumar, Aléssio. E você também não. Ele abriu a gaveta e mostrou. Fechado, completamente. E numerado. Foi o Napoleão. E ele viu o homem, o Napoleão sumir pela porta, que chegou a dar mais dois giros, pela batida do André.
- É assim mesmo. A fumaça deve ter feito mal para nós. Ele viu, eu vi que ele conseguiu ver o Napoleão. Um louco. Um louco que nos deixa assim. Cumprindo promessas.
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