Está vendo o que estou fazendo. Percorrendo a alameda e já chegando em casa. Ou a casa como queira os puristas. Não nego mais nada. Estou desconsolado. E o sapato, amassado do lado, com os chutes que dei na mesa do chefe. Ele me provocou, muito, demais até. Chamar para falar, na frente de todos e me humilhar do jeito que fez, bem, não é assim que se tratam as pessoas. Ou se trata as pessoas. Outra mania dele, que achava até legal, bem, ótima, se quiser, quando me acertava, melhor, acertava não em mim, mas nas minhas escritas para o dia sair legal. Bem, embaralhei claro. Vou chutar essa lata de lixo. E escutei ela balançar e bater no poste na frente da casa dele. Isso mesmo estou chegando na casa dele, não na minha. Acho até que hoje eu não volto, já que me despediu depois que o xinguei. Não deveria, eu sei, mas o fiz. E a mesa levou os chutes, eu sei, não deveria, mas fiz. E o tapão, ou tapa grande, ou tapona, o que seja no rosto dele. Na cara também vale. Viu só, estou um pouco atrapalhado, essa é a verdade. Estou me sentindo mal. Ou melhor, mau. Bem mau. Mais do que mau. Estou esperando há bastante tempo para lhe dizer, ou completar, tudo o que me tem de ódio na garganta, na barriga, no saco e até no pé. E lá se foi de novo a lata de lixo, rindo baixinho e parecendo um pouco entorpecido. Estou avisando, pessoal, hoje eu vou acabar com tudo. E no poste, já dez horas da noite, eu vou esperar. Sim, pouca luz. Ele vai vir com aquele automóvel luxuoso e vai ver tudo o que vai dar. Ele vai me dar a vida dele, sem constrangimento. Vou implorar para que me escute. Ou escutar-me. Será que é assim? Se não for, também não importa. Eu vou matar ele. Ou matá-lo. Não importa se estiver morto, tanto faz como tanto fez. Olha ele, chegando.
- Oi, pai, gritou o menino. Vem logo. Eu sei, sou pai também, o que isso importa. Não mesmo. Ele me humilhou, foda-se. Se o menino tem um pai assim, nojento e estúpido vai ficar do mesmo jeito que ele. E viu, apreciando a corrida do menino para o carro. E logo atrás a irmãzinha. Não é que ela é bonitinha mesmo. E agora a patroa. Eu gosto dela, sempre bem arrumada, limpa, bonita, bem, linda até. Ele é um homem de sorte. Eu não, ou melhor, fui, não importa. Nada mais importa. E não adianta ficar mostrando coisas que não quero ver mais. Ele vai morrer. Vou matar ele, vou matá-lo e tudo o mais. E deixar mortinho. Que tal na frente de todos. Já que vou embora para sempre, é melhor. Ele chegou. Ótimo.
- Oi, pai, o menino gritou novamente batendo com as duas mãos na beirada, na porta da frente do veículo. Veículo ou carro, o que importa. Nada mais importa. E agora a menina. Veja que lindinha que é. Cabelos longos, negros, olhos felizes. Deve ser um ótimo pai, afinal vieram encontrá-lo, ou encontrar ele. Eu não sei mais o que estou fazendo aqui. Se ele me vir, não sei não. Pode começar outra briga. E vou ser humilhado novamente.
- Oi, querido.
- Oi, lindona. Vamos, estamos atrasados para o cinema. Desculpe, tive um atrito com um funcionário. Esqueci de pedir desculpas para ele. Agora é tarde.
- O que fez?
- Bem, briguei com ele e acho que o humilhei. Se ele estivesse aqui agora faria.
- O que você faria, apresentando-me e já com a arma na mão. Isso, por exemplo, acertei certinho, bem, um pouco de lado a cabeça do menino, ficando grudado no carro até, porque a cabeça bateu com força.
- Não, isso não ele gritou.
- Então isso, acertei com o mesmo jeito a cabeça da menina. Ela me olhou, coitadinha, mas com pena do irmão do que propriamente sentindo o perigo vindo de mim e da minha arma. Não importa. Ou não importa nada.
- Não, pare seu desgraçado, pare.
- Então isso, pronto, coitada dela. Linda, bem linda, diria. Mas morreu do mesmo jeito, um pouco arqueada, não chegando nem perto dos filhos, mas estava querendo que isso ocorresse. Foi feio o gesto, afinal caiu com a cabeça desengonçada e toda estripada nela. Ou o crânio bagunçado e as tripas, ou miolos, bem, não importa mesmo, já fiz, todo para fora. E apontei para ele. E estava sem balas, agora. Dei mais dois toques no revólver, calibre trinta e oito, grande, pesado. E já que não tinha mais paciência com os pés, afinal estava dolorido, ou com as mãos, estava com a arma na mão direita, a mais forte, eu resolvi partir para cima dele. E duas bordoadas no alto da cabeça. Que vai pedir desculpas coisa nenhuma. Da próxima vez, pense bem antes de falar mal, porque eu sou mau e fui mais ainda, ainda agora. E a turma da rua me olhando. Bem, eles resolveram fazer o que achavam que era certo. E eu acho que tinham razão mesmo. Afinal, ser trucidado depois de um ato insano desses, com uma família respeitada, bonita, asseada, comportada é para essa situação ser até, pensando bem, melhor do que ser estripado em uma prisão. Enquanto apanhava, acertei dois, com força na cabeça e foram saindo com rasgos nela, um na testa e outro na bochecha, abriu um corte profundo, tanto em um como no outro, fiz o que deveria ter feito antes. Matar e sair correndo. E fui, levando chutes, bordoadas, tentando bater também com o braço para trás, o direito, com a arma, acertando alguns que reclamavam de apanhar, mas não de bater. E doe muito apanhar. Deveriam ter e ser mais simpáticos comigo. Afinal, não sabem por que fiz. Nem mesmo eu sei bem porque fiz. Não sei mesmo. E cai, agora, sendo chutado e mais uma porrada com o revólver no joelho de um. Mas eram vários joelhos e os seguintes vieram na minha cara, um teve o desplante de pular com um deles no meu rosto. Acho que vou ficar marcado. Ou morrer. Sou um pouco indeciso com as minhas coisas. E chegou a turma da deixa disso. E empurraram os brutamontes para o lado. E o policial perguntou.
- O que foi que aconteceu aqui.
- Esse animal - sou eu - matou quatro pessoas, afirmou um deles.
- Não, respondi, não foram quatro não seu policial. Foram três. O outro só levou bordoada.
- Ainda confessa?
- Não senhor, sou inocente. E essa foi a pior, porque um deles me acertou com força na boca. E reclamei. Porra assim não consigo falar, saindo o sangue por ela. E mordi a língua. Mostrei para o policial. A língua ferida. E de volta, chegou, firme e forte, o cassetete. Doeu. Gemi. Levei mais duas. E ainda com a língua para o lado de fora. Perdi totalmente a consciência. Do perigo, não de fato. Estava lúcido, quando o revólver que caiu da minha mão, magicamente, com alguma bala, ele não, a bala, me acertou na testa. O que será que aconteceu depois? Não sei. Não posso contar o que não vi e não acompanhei.
- Então, tenente, tudo bem?
- Agora sim. Esse já encaminhamos. E vamos sair todos, vamos saindo. Caminhando para casa, todos vocês. E veja lá quem ele matou.
- Sim, senhor. E voltou.
- Foi o Estilingue, chefe.
- O Estilingue? O chefe de bando dessa porcaria de cidade? Coitado dele. Não deveria ter morrido então. Fez um bem para a humanidade.
- E os filhos, a mulher.
- O que acha que vou pensar. Nada demais. Efeito colateral. Deixa para lá. Chame o rabecão. Ou chame-o. Sabe do que estou falando.
- Sim, senhor. Caminhando pessoal, todos para casa. Acabou a folia. Só um bandido morto. E ouviu o gemido dele, levantando-se. Ainda vive, vaso ruim não quebra mesmo. Ouviu-se um novo tiro. Quem fez não se sabe. Esse agora eu sei. Estou com ele, aqui, desse lado. Ninguém nos vê. E a família toda atrás de mim, xingando, me chutando, ou chutando-me. Bem que avisei para ele. Anos de serviços, o trabalho sujo só feito por mim e ele no bem bom. Bem bom está agora. E rindo. Bem, lá se vão às coisas e as pessoas. Eu disse, antes, que não poderia contar. Mas agora, sim, posso. E vocês vão entender tudo o que se passou. Estava no escritório quando esse besta...
domingo, 20 de março de 2011
Assinar:
Postagens (Atom)